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OS PRIMEIROS VÔOS NO BRASIL.


AVIAÇÃO, TECNOLOGIA E SOCIEDADE: OS PRIMEIROS VÔOS NO BRASIL Drª. Claudia Musa Fay Professora PUCRS cmusafay@pucrs.br Geneci Guimarães de Oliveira Mestre PUCRS geneci@engefack.com.br.Durante a primeira metade do século XX as construções metálicas aerodinâmicas foram sendo aprimoradas. Fabricantes disputavam mercados e surgiam empresas aéreas com a finalidade comercial de unir distancias e transportar produtos e pessoas de forma rápida, segura e eficiente. No entanto, poucos contemporâneos perceberam o surgimento da atividade aeronáutica como um empreendimento racional, planificado, fruto de uma época cientifica e industrial, que traria um grande desenvolvimento para humanidade. Faz parte desta proposta mostrar as soluções encontradas para ultrapassar as dificuldades técnicas e desenvolver o setor, bem como, ocupar um novo espaço na competição pelo transporte e na comunicação rápida. O objetivo desta comunicação é analisar como as inovações tecnológicas foram sendo criadas, as dificuldades enfrentadas e as soluções que foram sendo inseridas no equipamento ao longo do tempo, tendo como pressuposto que existe um fio condutor que liga a utilização do avião como arma de guerra, às exibições e shows aéreos e à competição tecnológica entre as nações. No Brasil foram inúmeros os desafios dos pioneiros da aviação. No inicio a dificuldade para se orientar com poucos instrumentos e cartas precárias, era o maior problema, pois grande parte do interior deste território era desconhecida, não havendo estradas e, nem mesmo caminhos marcados. Aos poucos foram se desenvolvendo os campos de pouso, surgiram os radares, balizamento de pista, o rádio embarcado facilitando a navegação. Sabe-se que a aviação esteve durante certo tempo centrado nas habilidades individuais do piloto, fatos referidos por Lins1, ao relatar as histórias de seu pai, o Comandante Severiano Lins, nas quais evidencia as características de herói ao condutor da máquina: “Voava sobre o Mato Grosso, em plena mata... uma queda ali seria fatal. Em dado momento o motor do aparelho falhou. (...) naquele instante dramático declarou o 89 comandante - coloquei toda minha alma no avião, fazendo-o planar e pousar sobre a floresta. Partiram-se uma asa e o trem de aterrisagem e ninguém sofreu nada. Tudo em conseqüência de seu extraordinário sangue frio.” O autor2 continua a exaltação dos atributos e qualidades dos pioneiros no trecho abaixo: “O Comandante Lins era tido também pela coragem ao enfrentar tempo ruim. (...) mas também pelo conhecimento profundo que ele tinha da rota e dos seus acidentes geográficos. (...) tudo compensado pelo prazer da pilotagem e dos panoramas deslumbrantes vistos de um ângulo e perspectiva somente concedida ao afortunados companheiros dos ares.” Percebe-se que outro contemporâneo de Lins, o Comandante Lili de Souza Pinto3 partilhava das mesmas idéias vigentes naquela época, em que homem e máquina complementavamse um ao outro, conforme referencia feita ao comandante Greiss em que ele e o avião que pilotava, o F13, formavam “uma só coisa”. A máquina voava pelas qualidades extraordinárias do homem e, quando surgiam os “incidentes”, serviam os mesmos como um processo de aprendizagem. A abordagem feita através da História Cultural que enfoca os acontecimentos, também sob o viés cultural, como explica Pesavento4, colabora para a compreensão dos valores que por longo tempo foram assimilados pelos admiradores da aviação: “(...) Trata-se, antes de tudo, de pensar a cultura como um conjunto de significados partilhados e construídos pelos homens para explicar o mundo. A cultura é ainda uma forma de expressão e tradução da realidade que se faz de forma simbólica, ou seja, admite-se que os sentidos conferidos às palavras, às coisas, às ações e aos atores sociais se apresentam de forma cifrada, portando já um significado uma apreciação valorativa. No que se referem aos diversos significados simbólicos que a aviação e seus pioneiros incorporaram ao longo de sua trajetória busca-se apoio nos estudos de John B. Thompson5 a respeito das características típicas dos contextos sociais, em que o autor assim se expressa, "(...) podemos identificar e descrever as situações espaço-temporais específicas em que as formas simbólicas são produzidas e recebidas. As formas simbólicas são produzidas (faladas, narradas, inscritas) e recebidas (vistas, ouvidas, lidas) por pessoas situadas em locais específicos, agindo e reagindo a tempos particulares e a locais especiais, e a reconstrução desses ambientes é uma parte importante da análise sócio-histórica." 90 Na obra de Souza Pinto6, intitulada “Assim se voava antigamente”, estão relatadas algumas das suas experiências junto ao comandante Greiss que reforçam as práticas rotineiras e os valores transmitidos: “Ele nos ensinou a arte de voar as rotas do Rio Grande do Sul (...). Devido sua habilidade de se orientar pelas estradas de rodagem, trilhos da estrada de ferro, postes das linhas telefônicas, árvores e matos isolados, ranchos de sapê e até pela reação do gado nas pastagens à passagem do avião. Todos esses recursos eram usados pelo comandante Greiss quando voava com mau tempo, a baixa altura, a fim de cumprir seu compromisso de honra de cada dia, que consistia em entregar seus passageiros no destino sãos e salvos.” As primeiras duas décadas da aviação foram anos difíceis para os pioneiros, que de acordo com Aldo Pereira, “os avanços na atividade aeronáutica são tão grandes que 40 anos parecem séculos”. Não havia radiogoniômetros para orientar os aviadores. Voavam com muitos riscos devido aos nevoeiros da serra gaúcha ou enfrentando grandes tempestades. Outro fator que tornava mais perigosa a realização de uma viagem era a origem estrangeira dos equipamentos e instrutores. A Segunda Guerra Mundial agregou outras dificuldades à incipiente navegação aérea, pois o Brasil que não possuía indústria aeronáutica até 1969, não tinha independência para articular uma política própria, ficando na dependência dos insumos importados, que além de se ressentir com a falta de reposição de peças, principalmente, as alemãs, ainda enfrentava o racionamento de combustível. Pelas dimensões continentais do território brasileiro e sua configuração geográfica tornavase bastante desafiador fazer a integração das diversas regiões, somadas também às precárias instalações terrestres e dos sistemas de informações meteorológicas. Quando as aeronaves automatizadas foram aparecendo, os pilotos ficaram preocupados diante de sistemas que mal dominavam. A exaltação das qualidades heróicas dos aviadores justificou a resistência inicial dos pioneiros em se adaptar às inovações tecnológicas. Porém, não havia como frear o progresso e a integração de novas técnicas de vôo, que aparentemente enriquecia a diversidade de tarefas, trazia consigo um acréscimo de eficiência. Em meados da década de 1940, segundo Bordini7 a direção da Varig decidiu ampliar suas rotas para fora do Rio Grande do Sul, assim que, adquiriu o Lockheed Electra 10E, cujas características do equipamento eram desconhecidas pela empresa gaúcha. O autor refere que: 91 “Esses aviões representavam uma completa mudança nos procedimentos de vôo até então existentes na Varig. Não só era necessária a adaptação a um avião mais moderno e veloz como precisavam, os pilotos, aprender a voar por instrumento sem referência visual com o terreno, e a fazer aproximações em IFR8 pelo goniômetro9, apoiado nos radiofaróis que começavam a surgir em alguns aeroportos do Brasil”. Bordini faz referência aos aviões Electra 10 A e 10E: “(...) passamos, nós, os pilotos, a voar por instrumentos dentro ou acima das nuvens, o que era uma novidade na Varig. Fazíamos aproximações para pouso em todo aeroporto que estivesse equipado com radiofarol, o que não era comum até o momento em que a Varig, num programa dirigido por seu diretor de telecomunicações, Erni Peixoto10, resolveu instalar NDB11 em diversos aeroportos do interior e mesmo capitais. Eram instalações simples, confiáveis, ativadas, a pedido do piloto, pelo telegrafista da estação de terra. Com isso, passamos a poder fazer aproximações com mau tempo e teto baixo em praticamente toda parte, com poucas exceções. Mesmo assim, os goniômetros dos aviões eram precários, e isso exigia dos pilotos detalhado conhecimento das cercanias do aeroporto, especialmente da reta final de aproximação, pois a fase final do processo era, a maioria das vezes, visual.” Percebe-se que a introdução de novas tecnologias fez parte do processo, que embora possa parecer lento, contribuiu para uma transição menos traumática para os antigos pilotos. Não ocorreu uma ruptura nos procedimentos adotados anteriormente, mas agregou os novos valores associados aos conhecimentos dos pioneiros. Da instalação inicial de um rádio goniômetro da marca Telefunken, de uso manual e operado pelo radiotelegrafista de bordo, no Electra 10, mais tarde evoluiu para equipamentos de orientação automática, os chamados ADF – Automatic Direction Finder, semelhantes aos usados ainda hoje na aviação comercial e, tidos como avançados para aquele período da navegação aérea. A obra de Vicente12 lança um novo olhar sobre a adequação da tecnologia, ou a falta desta, diante do usuário referindo que: “(...) a tecnologia aeronáutica durante a Segunda Guerra Mundial atravessava uma instabilidade transicional que acarretava destruição de equipamento e a morte de pilotos e seus colegas. O imenso número de acidentes, a perda trágica de vidas e a perda onerosa de equipamentos finalmente fizeram com que a indústria encarasse a realidade. Na mesma direção que a ‘lógica do destino humano’ de Robert Wright, as estruturas sociais começaram a mudar, à medida que um número crescente de designers compreendeu as limitações, se considerassem apenas a excelência técnica”. 92 Desta forma, a contínua evolução da tecnologia na aviação para satisfazer as exigências de mercado a fim de vencer as grandes distâncias em menor tempo e com menor custo, precisou sofrer adaptações no decorrer dos anos, assim como, o aprimoramento dos profissionais que iriam operar as novas máquinas de voar. Na década de 1930, a chamada a era de ouro da aviação, com as várias melhorias técnicas foi possível construir aviões maiores, que podiam percorrer, igualmente, distâncias e voar em altitudes maiores e mais rapidamente, bem como, podiam assim carregar mais carga e passageiros. Os avanços na ciência de aerodinâmica permitiram que os engenheiros do setor aéreo desenvolvessem aeronaves cujo desenho, praticamente, não interferisse no desempenho em voo. Também os equipamentos de controle e os cockpits das aeronaves tiveram melhorias consideráveis neste período, assim como, a evolução das telecomunicações com a utilização dos equipamentos de rádio-telecomunicação, permitindo aos pilotos receberem instruções de voo das equipes em terra, e a comunicação de diversas aeronaves entre si. Os desdobramentos da evoluçao tecnológica geraram sistemas mais precisos para a navegação aérea. O surgimento do piloto automático que passou a ser usado na década de 1930, permitiu aos pilotos fazer curtos períodos de descanso em voos de longa duração. Resumidamente, pode-se afirmar que a tecnologia na aviação avançou rapidamente, principalmente, em relação à automação. Antigamente o conhecimento e a experiência permitiam ao piloto enfrentar imprevistos. O saber prático transmitido por pilotos, devido sua longa vivência do ofício, era fundamental na formação dos futuros aviadores. É necessário reforçar que inicialmente os pilotos preocuparam-se com este novo modelo tecnológico, que agora viria a fazer parte do seu contexto profissional, temendo tornarem-se simples apertadores de botões, de forma mecanizada e rotineira. Mas com o avanço do treinamento e a qualificação profissional, entenderam que a eletrônica estaria agregando qualidade e parceria na condução de seu trabalho. Passaram a aceitar cada vez mais a automação, acostumando-se com a função gerencial imposta na cabine de comando. É significativo referir que nos dias de hoje, estimulado pelas facilidades de manejar uma aeronave, o operador não necessita saber o que se passa na máquina. A função de pilotar, que antes requeria habilidade nas manobras, formação cientifica e conhecimento de cada comando que o homem precisava acionar na cabine do avião, passa a ser uma tarefa burocrática, apenas desempenhada pelo computador. 93 Importante ressaltar que, concomitantemente, à evolução dos equipamentos, à qualificação dos profissionais, ocorreram grandes melhorias nos campos de pouso e nos equipamentos de controle em terra, como uma conseqüência das transformações sofridas pelo homem e pela máquina, possibilitando o encurtamento das distâncias e a aproximação entre os povos. 1 LINS, Fernando Chaves. Comandante Severiano Lins - Pioneiro da aviação comercial. Olinda: Gráfica A Única Ltda, 2002, p. 68. 2 Idem. p.70 3 Lili Lucas de Souza Pinto nasceu em Bagé, no Rio Grande do Sul em 1921. Aos 19 anos, recebeu o seu brevê e ingressou na Varig. Na época a empresa gaucha operava com os Junkers alemães, e foi num deles que Pinto aprendeu a voar. 4 PESAVENTO, Sandra Jatahy. História & História Cultural. 2ª Ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2008. p.1. 5 THOMPSON, John B. Ideologia e Cultura Moderna: Teoria social crítica na era dos meios de comunicação de massa. Rio de Janeiro: Vozes, 1995. p. 366. 6 PINTO, Lili Lucas Souza. Assim se voava antigamente. Porto Alegre: Magister, 1990. 7 BORDINI, Rubens. Vida de Aviador. Porto Alegre: AGE, 1999. p.86-87. 8 IFR - Instrument Flight Rules ou Regras de Voo por Instrumentos é o conjunto de regulamentos e procedimentos que se aplicam à pilotagem de aeronaves quando as condições de voo não asseguram que o piloto possa ver e evitar obstáculos ou outro tráfego aéreo. Opõe-se à situação VFR (Visual Flight Rules - Regras de Voo à Vista) em que o piloto é o principal responsável por ver e evitar obstáculos ou tráfego 9 Goniômetro - Inventado por William Hyde Wollaston (1766-1828). Este instrumento possibilita a medição de ângulos com grande rigor e precisão, fornecendo graus, minutos, segundos e até décimos e centésimos de segundos. Mais especificamente, este instrumento pode ser utilizado na medição de ângulos entre superfícies refletoras de um cristal ou pode ser ligado a transmissores de rádio ou radar para que o sinal seja emitido até ao receptor sem o apoio de uma antena giratória. 10 Erni Peixoto - um dos colaboradores mais próximos de Ruben Berta e que, por mérito, recebeu o título de engenheiro sem ter realizado curso universitário. Foi o especialista em telecomunicações que para atender as necessidades da Varig instalou os primeiros rádio-faróis para balizamento da navegação aérea no Brasil. 11 NDB - Non-Directional Beacon ou Radiofarol é uma estação transmissora especializada, instalada numa posição geográfica fixa e precisamente conhecida, que emite sinais de radiofrequência com um formato pré-determinado que permite a estações de rádio móveis (terrestres, aéreas ou marítimas) fazer a sua identificação e determinar a sua posição relativa face ao ponto geográfico de emissão. O sinal dos NDB é captado e descodificado por um instrumento conhecido por ADF (do inglês, Automatic Direction Finder ou Detector Automático de Direcção). Os radiofaróis, apesar do aparecimento dos equipamentos de navegação por satélite, ainda são bastante utilizados face às distorções ou black-outs que ocorrem em equipamentos que emitem sinais acima da ionosfera. A sua principal utilização é para a navegação aérea, sendo comum a instalação de estações NDB nas proximidades de aeródromos e em pontos específicos ao longo de rotas aéreas mais utilizadas. O NDB (Non-Directional Beacon), foi o primeiro instrumento que surgiu na aviação que possibilitou vôos IFR, aproximadamente em 1923. O NDB estará sujeitos a erros, como o efeito noturno, 94 de relevo, costa marítima e condições atmosféricas adversas, fazendo com que o instrumento de bordo indique um localização incorreta do NDB. 12 VICENTE, Kim. Homens e Máquinas. Tradução de Maria Inês Duque Estrada. Rio de Janeiro: EDIOURO, 2005. p.90-91. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BORDINI, Rubens. Vida de Aviador. Porto Alegre: AGE, 1999 . Céus desconhecidos. Porto Alegre: Magister, 1996. LINS, Fernando Chaves. Comandante Severiano Lins - Pioneiro da aviação comercial. Olinda: Gráfica A Única Ltda, 2002. LEITE, Abel Pereira. Céu de ninguém: saga de uma vocação. São Paulo: Editora Alfa-Ômega, 1994. PEREIRA, Aldo. A breve história da aviação comercial brasileira. Rio de Janeiro: Europa. 1987 . Hóspedes do paraíso e outras histórias de aviador. Mimeo. s/data. PESAVENTO, Sandra Jatahy. História & História Cultural. 2ª Ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2008. PINTO, Lili Lucas Souza. Assim se voava antigamente. 2ª Ed. Porto Alegre: Magister, 1990. ROCHA, Arthur Martins. AVIAÇÃO: do sonho à realidade. Rio de Janeiro: Europa, 1986. THOMPSON, John B. Ideologia e Cultura Moderna: Teoria social crítica na era dos meios de comunicação de massa. Rio de Janeiro: Vozes, 1995. VICENTE, Kim. Homens e Máquinas: como a tecnologia pode revolucionar a vida cotidiana. Tradução: Maria Inês Duque Estrada. Rio de Janeiro: Ediouro, 2005.

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